Marx era um pensador eurocêntrico e racista?

Jones Manoel

Com Kevin B. Anderson, podemos sair da defensiva e afirmar sem medo: Marx é, mais do que nunca, um autor para todas e todos os que lutam pela emancipação humana. Um pensador radicalmente universal porque compreendeu as particularidades do mundo em que viveu.

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Nas últimas décadas, tornou-se comum a crítica de que Marx seria um pensador eurocêntrico, insensível ao colonialismo e até racista. A reação dos marxistas, no geral, foi aceitar essa narrativa e se limitar a citar autores da periferia do sistema: José Carlos Mariátegui, Brinda Karat, Ernesto “Che” Guevara e outros.

Um caminho alternativo era defender a tese de György Lukács em História e consciência de classe: mesmo que Marx tivesse errado em todas as suas análises, poderíamos seguir tranquilamente marxistas, afinal, ortodoxia no marxismo diz respeito ao método – isto é, ainda que Marx tivesse sido um completo eurocêntrico, poderíamos, a partir do materialismo-histórico, não o ser.

Em Marx nas margens: nacionalismo, etnia e sociedades não ocidentais, Kevin B. Anderson é bem mais ousado. A partir da análise de uma série de textos de Marx – a maioria inédita em português – e de originais compilados recentemente – como o material da Marx-Engels Gesamtausgabe (MEGA2) –, ele busca mostrar como o filósofo alemão, em sua trajetória intelectual, preocupou-se com questões raciais e de gênero e tornou-se um pensador não eurocêntrico, atento ao desenvolvimento das sociedades não capitalistas, defensor de uma via revolucionária multilinear, não determinista; em suma, um Marx que não toma o processo histórico europeu como métrica universal da história mundial.

Marx nas margens se opõe, de forma rigorosa e bem fundamentada, a análises clássicas, como a crítica de Edward Said em Orientalismo, que classifica Marx como orientalista; revela a preocupação marxiana com os processos de libertação nacional das nações oprimidas e com a luta contra a escravidão da população negra; demonstra, portanto, como é insustentável a tese de um Marx complacente com o colonialismo (considerando a totalidade de sua obra) ou indiferente à luta abolicionista.

De Marx nas margens emerge um pensador preocupado não só com a emancipação dos operários e das operárias fabris, mas de todos os explorados – um intelectual que dedicou muito tempo para estudar Rússia, China, Índia, Pérsia, Argélia etc. Em suma, o clássico chamado do Congresso de Baku (1920) para a união dos povos do Ocidente e do Oriente contra o capitalismo já estava no pensamento marxiano.

Com Kevin B. Anderson, podemos sair da defensiva e afirmar sem medo: Marx é, mais do que nunca, um autor para todas e todos os que lutam pela emancipação humana. Um pensador radicalmente universal porque compreendeu as particularidades do mundo em que viveu.

 

“Este é um livro verdadeiramente desbravador. Kevin Anderson vai a contrapelo da sabedoria convencional que reduz Marx a um pensador eurocêntrico e economicista. Analisando uma variedade de escritos de Marx, incluindo seu trabalho jornalístico para o New York Daily Tribune bem como materiais inéditos sobre sociedades não europeias, o autor revela um teórico global cuja crítica social era sensível às diversas formas de opressão e luta sociais.” – Michael Löwy

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