A dialética em Marxism and Freedom para hoje: a unidade da teoria e da prática e o atual movimento das lutas concretas

Lilia D. Monzó

O humanismo dialético de Marx baseia-se nos trabalhadores como sujeitos revolucionários pensantes e conclama aos intelectuais para que rompam com seu elitismo. Eles precisam desenvolver a teoria em diálogo com a classe trabalhadora e especialmente com suas camadas mais oprimidas, que geralmente são pessoas de cor – Editores

Traduzido por Rhaysa Ruas

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Rhaysa Ruas

Raya Dunayevskaya estabeleceu uma nova interpretação das obras de Marx que se centra no humanismo estabelecido em seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, mas que é construído e encadeado por todo o corpo de seu trabalho, incluindo O Capital. Em Marxism and Freedom[Marxismo e Liberdade], a primeira grande obra de Dunayevskaya, ela articula o método dialético de Marx e posiciona os trabalhadores (e seu movimento) como Sujeitos Revolucionários sem os quais o intelectual apreende apenas um conceito abstrato de revolução.

 

Em   Marxism and Freedom, Dunayevskaya começa com a dialética de Hegel: “Sua LÓGICA se move. Cada uma das divisões anteriormente inseparáveis ​​entre os opostos –

entre pensamento e realidade – está em constante processo de mudança, desaparecimento e reaparecimento, entrando em colisão frontal com o seu oposto e se desenvolvendo dessa forma. É assim, e assim sozinho, que o homem finalmente alcança a verdadeira liberdade, não como uma possessão, mas como uma dimensão do seu ser…”

 

Ao contrário da suposição frequentemente feita de que Marx virou Hegel de ponta-cabeça e o plantou no chão transplantando o seu idealismo com o materialismo, Raya ressalta que “Marx não rejeitou o idealismo. ‘Naturalismo ou humanismo absoluto’, como o jovem Marx designou sua própria perspectiva filosófica, ‘distingue-se tanto do idealismo quanto do materialismo e é ao mesmo tempo a verdade que une ambos”.

 

Ela aponta: “Para melhor desenvolver o movimento dialético, foi necessário voltar-se para o mundo real e ao seu processo de trabalho”. Dunayevskaya salienta que Hegel foi incapaz de ver e não poderia ter visto o positivo que emerge do trabalho alienado porque a atividade revolucionária dos trabalhadores ainda não tinha sido revelada. É durante o tempo de Marx que o trabalho alienado revela sua natureza humana – sua atividade de agente para a liberação.

 

Ela escreve: “… os trabalhadores têm agido de acordo com a Ideia Absoluta de Hegel e assim concretizaram e aprofundaram o movimento da prática à teoria. Por outro lado, o movimento da teoria está quase parado, porque se cega para o movimento da prática”.

 

Ela continua: “A gritante desigualdade de distribuição, decorrente desse método de produção, não poderia deixar de suscitar a simpatia do intelectual pelo proletariado. Estando fora da produção, o intelectual não podia ver que a classe trabalhadora tinha poder para derrubar as condições contraditórias de produção. Para o intelectual, o proletariado só existia como uma classe sofredora”.

 

É assim a dialética que faz da obra de Marx uma filosofia humanista. A dialética insiste na unidade da teoria e prática ou práxise no reconhecimento do trabalhador como Sujeito humano. Sem o reconhecimento de sua humanidade – sua atividade concreta de mudança (que envolve tanto o movimento na consciência quanto na realidade), a teorização do intelectual permanece desconectada das reais condições e desejos concretos daqueles que realmente estão se movendo.

 

Marx reconheceu a relação dialética entre teoria e prática e sua relação correspondente entre o intelectual que teoriza e as pessoas reais da classe trabalhadora que lutam. Como aponta Raya, Marx não apenas manteve os olhos grudados nos movimentos, como também participou deles.

 

Dunayevskaya escreve: “Não foi por acaso que o seu Manifesto Comunista foi publicado na véspera das revoluções de 1848. Ele pôde fazer isso por causa de sua ideia de teoria como a generalização do esforço instintivo do proletariado por uma nova ordem social, uma sociedade verdadeiramente humana – um esforço que surge da dialética do processo econômico que, em cada estágio, produz o que Marx chamou de “novas paixões e forças” para a próxima ordem social. Embora ninguém possa ver a forma concreta da nova sociedade até que ela realmente apareça, a visão de Marx antecipou a sociedade futura. Ele não foi “deixado para trás”, não por causa de seu gênio individual, mas por causa de seu método dialético de unir teoria e prática. Desse modo, ele deu aos intelectuais que se alinharam com o proletariado como uma “tendência política” aquela a nova dimensão humana para permitir que cada um se tornasse à altura do proletariado, que direcionou todo o seu peso à criação da nova sociedade”.

 

Dunayevskaya aponta, seguindo Marx, que os intelectuais são frequentemente separados da classe trabalhadora “tão amplamente quanto o céu da terra” e que “eles são consequentemente conduzidos teoricamente às mesmas tarefas e soluções às quais os interesses materiais e posição social praticamente dirigem [a pequena burguesia]”.

 

Além disso, a falta de fé nas classes trabalhadoras resulta frequentemente em “intelectuais radicais [que estão] sempre planejando fazer algo para o trabalhador, substituindo sua atividade ou pelo menos planejando a auto-atividade da classe trabalhadora”.

 

Como Raya escreve sobre Ferdinand Lassalle, uma figura do socialismo científico, “ele não podia se livrar do conceito de atraso do trabalho”. Ele acreditava que “a ciência é desprovida de classes e, portanto, poderia representar tanto a ciência (ou o intelectual) quanto o trabalhador. Lassalle foi a antecipação do administrador socialista de Estado dos nossos dias”.

 

Claramente, então, este tratamento não dialético do trabalhador como mera atividade concreta e o intelectual como teórico acadêmico é extremamente problemático. Um tratamento dialético reconhece que os trabalhadores estão ativamente engajados na luta e   em teorizar sobre a sua atividade e que o chamado intelectual deve estar alicerçado na luta através da participação ativa.

 

Como Dunayevskaya salienta, Marx estava totalmente atento às lutas de seus dias e ele estava especialmente envolvido com a Guerra Civil nos EUA e com a luta pela abolição da escravidão, que ele percebeu como “uma grande reviravolta mundial”.

 

Ele reconheceu a escravidão americana como particularmente atroz e não a juntou, como outros socialistas da época, com “toda a escravidão – salário e propriedade”, mas ao invés disso, reconheceu a dimensão racial como inexcusável sob qualquer forma de luta de classes.

Marx escreve: “Nos Estados Unidos da América do Norte, todo movimento operário independente ficou paralisado durante o tempo em que a escravidão desfigurou uma parte da república. O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro. Mas da morte da escravidão brotou imediatamente uma vida nova e rejuvenescida. O primeiro fruto da guerra civil foi o movimento pela jornada de trabalho de oito horas, que percorreu, com as botas de sete léguas da locomotiva, do Atlântico até o Pacífico, da Nova Inglaterra à Califórnia”[i].

Assim, Marx reconheceu o significado de que a Guerra Civil (uma vez que as massas negras eram autorizadas a lutar) tinha no trabalho de forma mais geral – considerando-a como fundamental para a luta pela redução da jornada de trabalho.

 

Segundo Dunayevskaya, é nesse momento que Marx começa a reconhecer a relação entre história (atividade ao longo do tempo) e teoria, uma relação que o leva a chamar as massas negras de vanguarda da revolução, invocando sua longa história de luta pela liberdade.

 

A participação de Marx era obviamente indireta, seguindo fontes de jornais, uam vez que ele estava na Inglaterra na época.  A forma como interpretamos a participação ou como fundamentamos nosso trabalho político nos movimentos do povo é uma questão crucial, mas que deve ser respondida com especificidade para movimentos específicos – com o objetivo de ser a maior base que podemos alcançar, dadas limitações específicas.

 

Um desses fundamentos é a inclusão de pessoas da classe trabalhadora em nossa organização – aquelas que são as mais diretamente afetadas e entre as quais as forças de produção criam contextos que invocam tanto oportunidade quanto ímpeto para se organizar.

 

Neste tempo e lugar, são as contínuas lutas pela abolição e pelos direitos civis dos negros e as lutas pelos direitos dos imigrantes – lutas comandadas e engajadas por povos de cor – que parecem estar em constante movimento. De fato, estas são as comunidades da classe trabalhadora mais afetadas que (em geral) experimentam as piores condições de trabalho. Assim, cabe a uma organização Marxista-Humanista engajar esses movimentos como a base da qual nossas teorias se desenvolvem e como as realidades através das quais nossas teorias são continuamente interrogadas, aprofundadas, e afiadas – para que elas possam também mover-se em sincronia com o povo e sua atividade. Também nos cabe tentar – como parte de um diálogo recíproco – compartilhar com estes movimentos os frutos teóricos das seis décadas do Marxismo-Humanismo, começando com Marxism and Freedom.

[i] MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo, Boitempo: 2013 [1867], p. 464-465.

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