Summary: Discusses the upcoming Brazilian election and how to defeat Bolsonarism — Editors
English original here.
No dia 30 de Outubro acontece o segundo turno das eleições presidenciais no Brasil. É o dia em que, esperamos, o país decide pôr fim ao governo Bolsonaro. Entretanto, essas eleições não significarão apenas o final de um autocrata em gestação, mas a consolidação de um novo desafio para a esquerda brasileira: o bolsonarismo.
Diferentemente das últimas eleições presidenciais, em 2017, quando o movimento bolsonarista parecia ainda estar se constituindo, nesse ano ele já se apresenta como a expressão da extrema direita brasileira. Ele incorpora e representa os ideais conservadores, racistas e homofóbicos que ecoam nessa sociedade, excluindo e propondo o extermínio de quem não compartilha dos mesmos valores políticos e religiosos. O bolsonarismo significa o uso de discurso e práticas que desumanizam populações LGBT+, mulheres, indígenas e quilombolas, considerando “povo brasileiro” somente aquele que tenha uma determinada religião, que esteja de acordo com a heteronormatividade e que não seja de esquerda. Nesse sentido, usando de estratégias de fake News e da própria máquina do governo, a campanha de Bolsonaro está se valendo do discurso do “bem contra o mal”, colocando-se num contexto de guerra santa em que derrotar o mal significa derrotar a esquerda e aqueles que não compartilham e defendem dos valores da extrema direita.
No saldo de quatro anos desse governo, temos o aumento do desmatamento da Amazônia, com as extensas queimadas cujas imagens rodaram o mundo, além do estímulo a garimpeiros e extrativistas ilegais no processo de pilhagem daquele território. Essa prática não se limitou ao discurso do presidente nesse sentido, mas em aniquilação e controle de políticas de fiscalização anteriormente implementadas para impedir, dificultar e penalizar ações de depredação daquela área. Uma dessas práticas foi enfraquecer a organização pública voltada para auxílio e proteção dos povos indígenas, que ocupam terras em várias partes do país. As terras de povos tradicionais do Brasil são cobiçadas por representarem uma das fronteiras finais do capital, por não estarem ainda inseridas na dinâmica de exploração industrial agrícola e mineral. Os mecanismos de proteção desses povos permitem não só a manutenção de seus corpos, cultura e sociedade, mas também a proteção da natureza que ali ainda subsiste. São os saberes e tecnologia dos indígenas amazonenses que guardam a floresta do extrativismo industrial. Dessa forma, o processo de esvaziamento daqueles mecanismos representa não só a exclusão, por meio de uma política estatal, de parte da população que não se encaixa no ideal ocidental de branquitude da extrema direita, mas também a própria degradação do meio ambiente. Temos ainda mais de seiscentas mil mortes por Covid-19 no país. A pandemia em si traz seus desafios, mas a administração dela pelo governo Bolsonaro foi essencial para contribuir com o elevado número de perdas. Ele transformou em política pública sua opinião anti-vacina, o que acarretou na demora na compra e distribuição de imunizantes. Ele não efetuou políticas públicas que auxiliassem a classe trabalhadora a restringir sua circulação para diminuir os índices de transmissão. Por meio de uma atuação da sociedade civil, movimentos sociais e do Congresso brasileiro, meses após o início da pandemia, foi aprovada e concedida auxílio financeiro para essas famílias. Atualmente, hoje este é uma das únicas ações sociais do governo que transfere renda, porém não se constituiu como um programa sólido e de longo prazo.
O ataque às instituições democráticas e enfraquecimento delas foi a receita utilizada por ele ao longo desses quatro anos. Com apoio e emprego de militares em altas posições no poder, ele resgatou o assombro da ditadura militar que durou vinte anos, e performou inúmeros ataques a membros da Suprema Corte brasileira e ao sistema e tribunal eleitorais, instigando seus apoiadores a desconfiarem das instituições democráticas. Ele subverteu a lógica presidencialista ao instituir uma forma que desafia a transparência e publicidade da distribuição de recursos para parlamentares, os quais passam a ser os grandes detentores e executores do orçamento federal, inaugurando a ficção real do parlamentarismo implantado. Entre 2020 e 2022 já foram reservados mais de 44 bilhões de reais em recursos a serem transferidos a senadores e deputados sem necessidade de identificação, o que facilita que estes utilizem esses recursos para efetivar contratos superfaturados com empresas parceiras[1]. Ou seja, facilita-se esquemas de corrupção. Nesse meio tempo, o Brasil permanece com uma inflação de gêneros alimentícios que castiga a população pobre que, com a baixa renda que recebe, mal consegue arcar com o mínimo para sua sobrevivência. O país voltou ao mapa da fome das Nações Unidas, são 61 milhões de brasileiros com dificuldade para se alimentar nos anos de 2019 e 2021, enquanto entre 2014 e 2016 eram menos de 4 milhões[2].
Apesar desse cenário de morte e desinformação, Bolsonaro obteve 43,2% dos votos, enquanto Lula, obteve 48,4%. O Partido dos Trabalhadores (PT), partido de Lula, governou o país de 2003 a 2016, ano em que a então presidente Dilma sofreu o processo de impeachment. Agora com a proposta de uma frente única para derrotar Bolsonaro, Lula se alia a antigos adversários da direita e novas lideranças dessa ala para combater a autocracia e resgatar o jovem regime democrático no país (reimplantado em 1985 após a ditadura militar). A campanha de Lula foca na esperança em tempos melhores, relembra a melhoria efetiva da vida dos trabalhadores quando governou o país entre 2003 e 2011, e no restabelecimento do respeito às instituições democráticas. Ele enfrenta o sentimento antipetista existente na sociedade, porém tenta se vacinar disso ao enfatizar as alianças com várias frentes de esquerda e de direita, esta representada por seu vice, adversário do PT em eleições passadas. Se os governos anteriores de Lula foram de centro esquerda, o próximo, caso ganhe as eleições, será bem diferente; caminhando talvez para uma postura de centro direita. O fato é que, nesse momento, este caminho é o único capaz de derrotar Bolsonaro.
A questão é que derrotar Bolsonaro não significa a derrota do bolsonarismo. No primeiro turno das eleições se votou também para senador, deputado federal e estadual, momento em que candidatos que espelharam discursos e práticas bolsonaristas foram eleitos. Os ideais da extrema esquerda encontraram sua representação no Congresso brasileiro. Entretanto, se na perspectiva federal a esperança da esquerda está em um futuro governo de centro direita, importantes vitórias para o parlamento no primeiro turno exemplificam o que significa luta e resistência da esquerda. O deputado mais votado na cidade de São Paulo foi um líder do Movimento Sem-Teto (Guilherme Boulos), uma organização de direito à moradia. Pela primeira vez, se terá três deputadas trans (Erika Hilton, Duda Salabert e Linda Brasil). Teremos duas mulheres indígenas no Parlamento (Sônia Guajajara e Célia Xakriabá). Todos os mencionados aqui são filiados a partidos de esquerda. A extrema direita se organiza, mas é a diversidade das periferias que também se organiza e traz boias de salvação nesse mar revolto.
Dia 30 de outubro decidiremos os próximos quatro anos e o futuro desse país. É o dia que decidiremos se voltaremos a sonhar e a ter comida na mesa.
[1] https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/entenda-o-que-e-o-orcamento-secreto-e-porque-e-criticado/
[2] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2022/07/06/brasil-volta-ao-mapa-da-fome-das-nacoes-unidas.ghtml
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